
Por
Expedito J. J. Júnior
Ah,
nada é melhor do que voltar a essa cidade, cidade de mil estórias e infinitos
encantos, cantada e decantada por seus filósofos e mestres, turistas e nativos,
poetas e escritores, terra de muitos amores, essa cidade praiana e bonita da região
sul cacaueira da nossa Bahia, que é a cidade de Ilhéus.
Tamanho
êxtase de estar presente numa terra tão boa merecia uma preparação à altura, e
assim que, depois de almoçar no boteco da Dona Ciranda, ali pelas redondezas da
Praia do Cristo, fui correndo encontrar um barbeiro, nesses tempos de moda de
barba, cada uma mais estilosa do que a outra, e que os rapazes fazem questão de
apresentar. Tem barba de tudo quanto é jeito, desde aquelas de cabelo de bunda
até aquelas de assombrar, muçulmanas, umas falhadas e espevitadas e outras
fechadas como a floresta amazonense. A minha era daquelas diríamos que de meio
termo, nem tão rala quanto o esperma de alguns homens inférteis, nem tão grossa
quanto o daqueles que fertilizam suas fêmeas tão somente ao ameaçar um
espirro.
- Onde acho aqui um barbeiro? - perguntei ao
moço que servia as refeições.
-
Olha só - disse ele. Se você quiser uma lugar onde o pessoal faz desenho na
barba, dos cara bom mesmo, vai ter que andar um pouquinho. Segue aqui direto,
dobra à esquerda, vai reto, lá na frente pega à esquerda de novo, daí até
avistar a placa do salão deles, o Salão Barbão da Hora!
- Fica muito longe daqui? Quanto tempo
mais ou menos?
- Uns 20, 25 minutos. Mas vale a pena.
- Não tem um mais perto?
- Veja, se você não tem tempo,
atravessando a rua e dobrando a esquina tem um, mas onde recomendo mesmo é no
lugar que te falei...
Como
eu não dispunha de tanto tempo, posto que estava atrasado para um evento que
aconteceria dali a alguns instantes, decidi tomar a segunda opção. Então fui
andando, serenamente, até dobrar a esquina, e logo me deparar, não com uma
placa de salão, mas com um cubículo exposto por uma grade fechada por um
pequeno cadeado, onde ninguém se situava.
Imaginei
que o dono da casa fosse o barbeiro, pois havia duas portas, uma coberta pela
grade e outra ao lado, entreaberta. Bati palmas, chamei. De dentro da casa,
vindo lá do fundo, veio arrastando os pés um senhorzinho, de seus quase oitenta
anos, vestido com uma ceroula, e uma toalha de banho sobre os ombros,
perguntando quase sem anunciar palavras, ajudado pelas expressões do rosto: O
que manda, meu chefe?
Respondi-lhe que queria fazer a barba, se ele
fosse o barbeiro.
- Pois não, sou o barbeiro sim, aguarde só
um instante até eu vestir a roupa- disse ele.
Aguardei
então tranquilamente, apesar do evento que eu iria participar já ter começado,
quando lentamente aquele senhor veio e me abriu seu salão, ou melhor, salinha,
vez que mal cabíamos os dois.
Sentei na cadeira em frente a um pequeno espelho, logo me veio um
sentimento nostálgico, o mobiliário todo remontava à década de 60, uma antes de
eu nascer...Paradoxal isso, saudades de uma época não vivida, como entender!
- Boa
tarde seu Ricardino, fazendo uma barbixa hein! - disse uma vizinha enxerida ao
chegar à porta do estabelecimento.
- Sim Dona Zuleica, temos que trabalhar,
não é?
- É sim meu vizinho, pois quem trabalha,
Deus ajuda!
E
despediu-se dele com um largo sorriso em seu farto rosto, o que o fez
dirigir-se a mim, prestes a começar seu trabalho:
- Diga meu filho, vai querer “moderada” ou
de outro jeito a sua barba?
Meu sentimento de nostalgia naquele exato
instante inflacionou, o termo empregado era completamente desconhecido por mim,
em se tratando de barba, e meio que sem saber direito o que aquilo significava,
respondi que sim, “moderada”! Eu que começava a frequentar barbearias ainda
tinha muito que aprender sobre o universo das barbas, foi o que pensei na hora.
Antes
porém, na minha estupidez, arrisquei uma pergunta:
- O senhor usa máquina?
Ao que ele me respondeu:
- Sim, olha ela aqui!
E tirou de dentro da gaveta uma máquina
creme claro surrada, ao que parece das primeiras que inventaram, ele com um
enorme orgulho, eu com uma tremenda dúvida: será que ainda funcionava bem?
E começou o seu trabalho: primeiro a
navalha, pra acertar os cantos, depois, vai, e vem, aperta, espreme. Pronto, eu
podia olhar no espelho.
Qual
não foi o meu espanto com o que vi, minha barba estava parecendo a superfície
da lua, cheia de crateras, um perfeito queijo de Minas!
Aquilo
me deixou atônito, confesso, contava três meses para chegar àquele ponto, e
agora... Agora o único jeito era arrancar a barba, ainda que Seu Ricardino
quisesse me dissuadir, afirmando que também daquele jeito se usasse ela.
- Passe a zero, seu Ricardino, desse jeito
não ficou bom!
Eu
que fui a ele para fazer a barba, saí de lá com a barba perdida, rostinho igual
a um bumbum de bebê, com uma sensação estranha, mas com uma alegria imensa no
peito, a mesma tranquilidade da alma, e apenas uma consolação: a vida é assim
mesmo, barba perdida, barba que cresce de novo...
0 Comentários