
Por Stella da Silva Lima
A história de uma professora do Estado
da Bahia que foi inadmitida no território espanhol apenas por ser negra,
mulher, solteira e relativamente jovem.
Tudo começou quando resolvi visitar a
Cantábria, no Norte da Espanha, onde minha irmã está com seu namorado. Organizei tudo o que era
necessário de documentação, comprei as passagens de ida e volta (de 25 de
dezembro de 2018 até 21 de janeiro de 2019), fiz o câmbio do dinheiro e saí de
Ipiaú-Bahia no dia 25 de dezembro de 2018 às 6:20 da manhã, de ônibus (uma
viajem de mais de 7 horas) até Salvador, onde aguardei o vôo Salvador-Madrid
estimado para às 22:50 e logo depois, seguiria em outro vôo Madrid-Bilbao,
onde, enfim, iria de carro com meu cunhado e minha irmã.
Ao chegar em Madrid, dia 26 de dezembro
pouco depois das 11 da manhã, deparamo-nos com 2 filas para o controle de
passaportes onde aguardamos por alguns minutos, até sermos informados por um
jovem que teríamos que subir e passar pelo controle em outra ala do aeroporto.
Na fila fui avistada por uma policial branca, jovem, de cabelos negros e muito
ríspida, que me apontou e chamou no “bom estilo espanhol” VENHAS e eu fui prontamente para a
entrevista, sabia que estava tudo correto então não tinha dúvidas que seguiria
meu vôo devidamente para Bilbao.
A policial já começou a entrevista em um
tom de voz alto e intimidador:
Policial 1 - Passaporte e documentos: entreguei
Policial 1 - Reserva ou convite?
Eu- Convite e entreguei a carta feita
por meu cunhado devidamente preenchida e com cópia do meu passaporte e do dele.
Policial 1 - Quem é?
Eu: Meu amigo e cunhado
Policial 1: Onde conheceu?
Eu: No Brasil
Policial 1: Quando ele esteve no Brasil?
Eu: julho ou agosto… Eu sou funcionária
pública, professora, trabalho para o Governo da Bahia.
Policial 1 - Saia da fila e espere,se
você fosse funcionária do governo, saberia que está carta não vale, espera que
você vai para outra entrevista, e quando eu iria avisar a minha irmã no
celular, ela deu um grito mandando-me guardar o celular, depois apontou-me umas
cadeiras para sentar e esperar... e foi aí que meu pesadelo começou.
SEGUNDA ENTREVISTA
A policial 1 depois de algumas outras
grosseiras levou-me para a segunda entrevista, entrou na frente, mandou-me
aguardar e fui ser entrevistada novamente.
Policial 2 - Você tem dinheiro?
Eu- Euros, reais, conta em banco e 2
cartões de crédito internacionais com limites relativamente altos.
Policial 2 - Tem reservas ou convite?
Eu: convite e mostrei a carta.
A policial fez outras perguntas e depois
de comprovar tudo e ela dizer que não queria ver o dinheiro afirmou que eu não
tinha uma carta válida e não tinha dinheiro suficiente (o que me causou
estranheza), então disse-me que posteriormente iria para outra entrevista e
ficaria sem celular.
ENTREVISTA 3: A VISÃO DO INFERNO
Fui levada para uma sala, onde ficam
juntos homens, mulheres e crianças para aguardar a entrevista às 16:30 agora,
com tradutor e advogado pago pelo governo espanhol. Retiraram-me a mochila
contendo meu computador, celular e gêneros de primeiras necessidades. Fiquei
com a mala de mão (por sorte tinha
algumas peças íntimas e roupas). Fui levada a uma sala com dois
orelhões (que dão choque, isso mesmo, tomei vários, mas a necessidade era maior),
mesas, máquinas de comprar comidas e bebidas, 2 banheiros e quartos ao fundo
com beliches.
Vamos a entrevista
Policial 3 (agora um homem ainda mais
grosseiro), que me mirou de cima abaixo como se eu fosse uma condenada de
guerra.
Dinheiro - contei na mesa os euros,
reais, apresentei cartões de crédito, fatura de cartão de crédito contendo
limites, contracheques dos 3 últimos meses do Governo da Bahia (onde sou
professora efetiva há 11 anos), 3 últimos contracheques da escola privada (onde
sou professora há 14 anos), carta convite, seguro viagem no valor de 30 mil
euros, passagem de volta e foi então que a Defensora Pública Vilma Benel
Calderon interviu: Espera aí! essa mulher tem muito mais do que o Estado
Espanhol exige e por que ela está aqui?
Em nenhum país do mundo se viaja com muito dinheiro em espécie e ela provou que
tem limite nos cartões então por que ela está aqui? O policial a olhou com um
olhar sarcástico e a respondeu: Mande-a esperar a resposta.
Detalhe: a cada comprovante de renda que
eu entregava recebia um olhar de reprovação e dúvida por parte do policial.
A Defensora e a Tradutora me
acompanharam claramente envergonhadas e, assim, eu e Vilma Benel chegamos
a conclusão de que era um notório caso
de racismo e preconceito contra a mulher, porque eu sou negra, mulher, solteira
e relativamente jovem.
Para a polícia espanhola, se a pessoa
for negra, mulher, solteira não pode ser turista? Vai se prostituir na Europa?
Fui informada que teria que retornar ao
Brasil no outro dia às 15 horas, porém Vilma Benel (meu anjo espanhol) informou
que era algo absurdo e que eu tinha o direito de recorrer, e que ela o faria se
eu assim decidisse e recorremos.
No dia 27, recebi da Policial 2 uma
documentação dizendo que eu teria mais 3 dias para apelação (no aeroporto).
Fiquei no aeroporto por 3 dias, o juiz
suspendeu minha apelação antes do terceiro dia e, hoje, 29 de dezembro de 2018,
estou retornando a Salvador.
A Defensora Pública espanhola Vilma Benel ligou muitas vezes, foi extremante atenciosa,
pediu-me desculpas, estava extremamente envergonhada por tudo o que passei em
Madrid. E a nossa luta não vai parar por aqui.
Observações pertinentes:
O GOVERNO ESPANHOL DEVERIA SABER QUE
MULHER SOLTEIRA CONSOME MUITO, GASTA MUITO DINHEIRO EM SUAS VIAGENS.
Fui tratada de forma preconceituosa
desde o primeiro momento que pisei no território espanhol.
SÓ QUEM É NEGRO CONHECE UM OLHAR
RACISTA.
Em nenhum momento ligaram para meu
cunhado (que me convidou).
Meu cunhado ligou várias vezes, foi até
o aeroporto de Madrid, ofereceu apresentar-se presencialmente assinando
qualquer documento se responsabilizando (novamente) por mim, e não foi aceito.
Em 3 dias, no aeroporto de Madrid
“nenhum policial errou” e todos os barrados viraram refugiados ou foram
enviados de volta a seus países, o que claramente demonstra corporativismo.
Nenhuma mulher branca, bem vestida foi
barrada o que mostra que se você é branca e está bem vestida, eles não vão te
entrevistar, não precisa ter dinheiro e documentos.
Mas, se você é mulher, negra ou latina,
solteira, relativamente jovem, não importa
o que vista, prepare-se psicologicamente para a condenação, você
provavelmente não terá o direito de ser turista na Espanha.
No próximo texto contarei sobre:
1
– Como os refugiados que ali chegam estão sendo tratados;
2
- A forma estúpida como fui tratada por alguns policiais;
3 - A dificuldade para usar desodorante,
conseguir uma toalha para tomar banho,
tomar analgésicos;
4 - Como lidar com o chuveiro que não
esquenta no inverno europeu;
5 - Como é atender um telefone sabendo
que levará uma descarga elétrica;
6 – As trabalhadoras sociais que não
ficam na sala que lhe é designada e nem sempre atendem as solicitações
possíveis;
7 – As crianças que não têm acesso à
sala de brinquedos que está sempre fechada.
8 – O pior, como a polícia espanhola
escolhia as bandejas de comida com melhor aparência e levavam para eles e, só
depois, deixavam-nos comer.
9 – Como foi receber a mala no aeroporto
de Salvador, que estava com a Air Europa violada, com o zíper arrancado e
amarrada por cordas (tenho fotos e testemunha).
0 Comentários